sábado, 20 de setembro de 2008

Em falta

Sabe aquele dia maravilhoso? É sábado, você dormiu até mais tarde. Levanta e sente o sol no rosto. Sorri levemente e vai para o banheiro. Escova os dentes lava o rosto e conversa com o cachorro. Vai para a rua ainda com o sorriso e caminha até a padaria usando pijamas. Você pede meia dúzia de pães, quentinhos de preferência. O que o padeiro responde? Em falta, só tem cacetinho de ‘onti’.

Acabou a trilha sonora da sua manhã feliz. Você sente vontade de voltar para a cama, de que, aliás, você nem deveria ter saído. Você deita, mas não consegue mais dormir. Como, cargas d’água, um padeiro não tem pão quente em um sábado de manhã? É uma chance em quantas? Aposto que na terça feira em que o relógio atrasou, você acordou em cima da hora, estava caindo mais água no centro de Novo Hamburgo do que nas cataratas do Niágara, você bateu a canela na quina do criado mudo, tem suas pernas marcadas pelo cachorro que adora pular em você quando está vestido para o trabalho e só percebe que caiu pasta de dente na sua camisa quando você está dentro do ônibus há dois minutos do seu trabalho, ele tinha pão quentinho. E você não comeu.

Você se revolta. Chama a padaria de espelunca, diz que nunca mias vai comprar lá. O que é mentira, de tarde você vai lá comprar um pacote de bolacha de amendoim pra comer com o chimarrão. E você intimamente sabe disso, mas não fala pra ninguém. Para maiores efeitos, resolveu dar uma segunda chance por que você é superior a tudo isso.

Então você levanta e resolve curtir o sábado. Pega um pacote de bolachas. Você até já tinha esquecido como ela era boa. Sentou no sofá e ligou a televisão. Já acabou Vida e Saúde, aquele programa que você nunca viu, mas toda vez que você vê a propaganda dele diz “essa semana eu não posso perder por que vai estar interessante”. Agora está dando comercial das Casas Bahia. Troca de canal algumas vezes, mas não vê nada que chame a atenção. Vai para a cozinha fazer um chimarrão. Acabou a erva.

Agora você vai ter que ir ao mercado. Você respira fundo, coloca calças de verdade e vai até o mercadinho do Zé. Já está com água na boca pensando no chimarrão de sábado de manhã. Está inspirado, vai até colocar uma camomila para dar um gosto. Mas uma surpresa: a prateleira da erva está vazia. O que aconteceu, você pergunta. E a resposta vem do atendente ruivo e fanho de catorze anos que sempre está escorado no balcão: está em falta. Como assim, em falta? Como falta erva em um sábado de manhã? Estamos no Rio Grande do Sul e falta erva? Você exige uma explicação lógica do rapaz. Ele quase começa a chorar e chama seu pai. O pai fala que na chuva da terça feira caiu mais água em Novo Hamburgo do que nas cataratas do Niágara e molhou todo o estoque de erva do mercado, e afirma que já fez o pedido mas o fornecedor atrasou. Você sabe que ele está mentindo sobre o fornecedor, mas não pode provar nada, então vai pra casa.

Desolado, sem pãozinho e sem chimarrão. Veja o lado positivo: não é domingo, você está livre do Gugu. As outras pessoas que moram na sua casa já acordaram e todo mundo fica lhe perguntando onde está o pão e a erva. Você diz que não tinha e ninguém acredita. Dizem que você teve preguiça de ir até o mercado e a padaria e preferiu ficar sentado em casa comendo “aquela bolacha sem graça”. Você tenta se impor, mas é inútil. Ninguém acredita no que está acontecendo. Nem você. Então vai para o quarto, deita na cama, liga o rádio e finge que está dormindo. Promete pra si mesmo que só vai levantar na hora do almoço. Por preguiçoso você já passou mesmo, e vai dar uma folga pra si, e espera realmente que a tarde seja melhor, porque essa manha de sábado esteve em falta de coisas boas.